Caso 1: Tício vem descendo a sua rua. Ao passar pela porta do
botequim da esquina, que estava cheio, vê um desafeto seu sentado lá dentro.
Como estava armado, decidiu resolver de vez aquela situação. Sacou a arma,
apontou e pensou: “É hoje que eu mato esse desgraçado, e DANE-SE quem estiver pela frente...”
Caso 2: Mévio vem dirigindo o seu Ford pela estrada quando,
lá na frente, vê seu amigo andando. Disposto a dar-lhe um susto, Mévio acelera,
pensando em passar rente ao amigo em alta velocidade. Porém, justamente ao
passar, o carro se descontrola um pouco e Mévio o atropela e pensa: “DANOU-SE...”
A área do Direito com a qual mais me identifiquei na Faculdade foi
a Penal. Direito Administrativo me dava calafrios, Direito Tributário me levava
a tremores, Direito do Trabalho me causava pesadelos. Já o Direito Penal – e
alguns ramos do Direito Civil, como Família e Sucessões – não me deram muitas
dores de cabeça.
Toda disciplina jurídica tem lá os seus “pontos obscuros”, as suas
“zonas nebulosas”, onde correntes doutrinárias divergentes se digladiam. E com
o Direito Penal não é diferente. Uma dessas tais “zonas nebulosas” é a
diferenciação entre “dolo eventual”
e “culpa consciente”. Teorias e mais
teorias tentam dar conta do tema(a).
Essa é a razão de escrever este texto para, quem sabe, poder ajudar alguém que,
assim como eu, também passou pelo problema de diferenciar uma e outra. Afinal, dicas
e macetes são sempre bem-vindos (quem é que não se lembra, do tempo de segundo
grau, da famosa frase – entre outras – para decorar elementos químicos: senhor
(Sr) Cabará (Ca, Ba, Ra) bebeu (Be) magnésio (Mg)(b)).
O dolo é intenção. A
culpa é falta do dever de cuidado(c).
Segundo o nosso Código Penal, em seu artigo 18, parágrafo único, “salvo os casos expressos em lei, ninguém
pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica
dolosamente.” Dolo é a regra, culpa é exceção. Há casos, entretanto, que
tramitam meio que entre estas situações.
Veja o primeiro caso acima, por exemplo. Em relação ao seu
desafeto, com certeza podemos falar que havia o dolo por parte de Tício (havia
a INTENÇÃO de praticar o tipo penal “matar
alguém” – artigo 121 do Código Penal, é o chamado dolo direto). Mas digamos que, ao disparar, ele houvesse feito
outras vítimas. Havia o dolo (INTENÇÃO) em relação a essas outras pessoas? Ou
ele apenas deu um DANE-SE para elas?
Já no segundo caso, houve indiscutivelmente CULPA (não houve
intenção de praticar um tipo penal – um crime, mas sim uma violação ao dever de
cuidado, uma imprudência por parte de Mévio). Porém, essa imprudência deu-se de
forma intencional. Ele quis se colocar em uma situação imprudente.
E é por isso que temos essa distinção entre dolo (INTENÇÃO) e dolo
eventual, entre culpa (FALTA DO DEVER DE CUIDADO) e culpa consciente. E a linha
que separa o dolo eventual da culpa consciente é tênue, muitas vezes quase
imperceptível. E aqui entra o macete do DANE-SE/DANOU-SE. Perguntemos ao autor
do fato o que ele pensa daquilo que fez. Se conseguirmos perceber que a
resposta a esta pergunta é “DANE-SE”, temos o dolo eventual. Se a resposta é “DANOU-SE”, temos a culpa consciente.
É certo que este macete não irá servir para toda e qualquer
situação. Vão existir casos que demandarão uma avaliação mais aguçada. Mas com
certeza servirá para – digamos – uns 80% das situações práticas que possam ser
encontradas.
Notas:
(a) Veja-se, por exemplo, este texto
(http://jus.com.br/revista/texto/20309/contributos-para-compreender-a-fronteira-entre-o-dolo-eventual-e-a-culpa-consciente/),
onde são citadas nada menos que 8 (oito!) teorias.
(b) Outro exemplo é Hélio (He) negou (Ne) que armou (Ar) uma crise
(Kr) ao chegar (Xe) o Ronin (Rn). Esta aqui me marcou por causa do Ronin
(que até hoje não sei quem o trouxe à conversa).
(c) Código Penal – Decreto-Lei nº 2.848, de 07/12/1940
Art. 18, inciso I – [crime] doloso é quando o agente quis o
resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.
Art. 18, inciso II – [crime] culposo, quando o
agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
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