29 de novembro de 2012

DANE-SE OU DANOU-SE?


Caso 1: Tício vem descendo a sua rua. Ao passar pela porta do botequim da esquina, que estava cheio, vê um desafeto seu sentado lá dentro. Como estava armado, decidiu resolver de vez aquela situação. Sacou a arma, apontou e pensou: “É hoje que eu mato esse desgraçado, e DANE-SE quem estiver pela frente...”

Caso 2: Mévio vem dirigindo o seu Ford pela estrada quando, lá na frente, vê seu amigo andando. Disposto a dar-lhe um susto, Mévio acelera, pensando em passar rente ao amigo em alta velocidade. Porém, justamente ao passar, o carro se descontrola um pouco e Mévio o atropela e pensa: “DANOU-SE...”

A área do Direito com a qual mais me identifiquei na Faculdade foi a Penal. Direito Administrativo me dava calafrios, Direito Tributário me levava a tremores, Direito do Trabalho me causava pesadelos. Já o Direito Penal – e alguns ramos do Direito Civil, como Família e Sucessões – não me deram muitas dores de cabeça.

Toda disciplina jurídica tem lá os seus “pontos obscuros”, as suas “zonas nebulosas”, onde correntes doutrinárias divergentes se digladiam. E com o Direito Penal não é diferente. Uma dessas tais “zonas nebulosas” é a diferenciação entre “dolo eventual” e “culpa consciente”. Teorias e mais teorias tentam dar conta do tema(a). Essa é a razão de escrever este texto para, quem sabe, poder ajudar alguém que, assim como eu, também passou pelo problema de diferenciar uma e outra. Afinal, dicas e macetes são sempre bem-vindos (quem é que não se lembra, do tempo de segundo grau, da famosa frase – entre outras – para decorar elementos químicos: senhor (Sr) Cabará (Ca, Ba, Ra) bebeu (Be) magnésio (Mg)(b)).

O dolo é intenção. A culpa é falta do dever de cuidado(c). Segundo o nosso Código Penal, em seu artigo 18, parágrafo único, “salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.” Dolo é a regra, culpa é exceção. Há casos, entretanto, que tramitam meio que entre estas situações.

Veja o primeiro caso acima, por exemplo. Em relação ao seu desafeto, com certeza podemos falar que havia o dolo por parte de Tício (havia a INTENÇÃO de praticar o tipo penal “matar alguém” – artigo 121 do Código Penal, é o chamado dolo direto). Mas digamos que, ao disparar, ele houvesse feito outras vítimas. Havia o dolo (INTENÇÃO) em relação a essas outras pessoas? Ou ele apenas deu um DANE-SE para elas?

Já no segundo caso, houve indiscutivelmente CULPA (não houve intenção de praticar um tipo penal – um crime, mas sim uma violação ao dever de cuidado, uma imprudência por parte de Mévio). Porém, essa imprudência deu-se de forma intencional. Ele quis se colocar em uma situação imprudente.

E é por isso que temos essa distinção entre dolo (INTENÇÃO) e dolo eventual, entre culpa (FALTA DO DEVER DE CUIDADO) e culpa consciente. E a linha que separa o dolo eventual da culpa consciente é tênue, muitas vezes quase imperceptível. E aqui entra o macete do DANE-SE/DANOU-SE. Perguntemos ao autor do fato o que ele pensa daquilo que fez. Se conseguirmos perceber que a resposta a esta pergunta é “DANE-SE”, temos o dolo eventual. Se a resposta é “DANOU-SE”, temos a culpa consciente.

É certo que este macete não irá servir para toda e qualquer situação. Vão existir casos que demandarão uma avaliação mais aguçada. Mas com certeza servirá para – digamos – uns 80% das situações práticas que possam ser encontradas.

Notas:
(a) Veja-se, por exemplo, este texto (http://jus.com.br/revista/texto/20309/contributos-para-compreender-a-fronteira-entre-o-dolo-eventual-e-a-culpa-consciente/), onde são citadas nada menos que 8 (oito!) teorias.
(b) Outro exemplo é Hélio (He) negou (Ne) que armou (Ar) uma crise (Kr) ao chegar (Xe) o Ronin (Rn). Esta aqui me marcou por causa do Ronin (que até hoje não sei quem o trouxe à conversa).
(c) Código Penal – Decreto-Lei nº 2.848, de 07/12/1940
Art. 18, inciso I – [crime] doloso é quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.
Art. 18, inciso II – [crime] culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

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