28 de novembro de 2012

ARGUMENTOS E FALÁCIAS

Ao criar este blog minha intenção foi disponibilizar um espaço para discussão de textos e artigos (discussão essa, diga-se, não no sentido de brigas ou desentendimentos, mas no sentido de troca de ideias). Talvez essa seja uma meta um tanto quanto petulante, mas ora... quem não sonha em fazer o melhor possível dentro de suas potencialidades? Assim sendo, enquanto preparava o material para os meus primeiros textos, dei-me conta da falta que poderia ser sentida de uma introdução básica sobre argumentação, construções lógicas, estruturação do pensamento e falácias. É claro que não será esgotado o tema, e por isso deixo, ao final, algumas referências para quem tiver interesse em se aprofundar.

O que é, portanto, um argumento? Um argumento é uma sequência de afirmações – chamadas premissas – por meio das quais procura-se chegar a uma conclusão. Seu objetivo é persuadir o interlocutor acerca da verdade daquela conclusão. O argumento, quando bem construído, segue uma cadeia lógica que liga as premissas à conclusão de tal forma que podemos acreditar em sua veracidade. É assim chamado “argumento válido”. Por exemplo: “Todos os cães latem. Rex é um cão. Logo, Rex late”. Podemos ver claramente a verdade da conclusão decorrer das premissas.

Há casos, entretanto, em que um argumento é construído de forma precária, não obedecendo ao encadeamento lógico de ideias, acarretando que, ao fim, aquela verdade que se pretendia demonstrar não restou evidenciada. É o chamado “argumento inválido”. Por exemplo: “Todas as galinhas são mamíferos. Mamíferos não têm penas. Logo, galinhas não têm penas”. A inverdade da conclusão já decorre desde a primeira premissa. Quando compomos um argumento inválido, não passível de ser corrigido, o chamamos de “falácia”. Esta é, pois, uma falha lógica na argumentação.

Pode acontecer de, algumas vezes, a conclusão ser verdadeira, ainda que resultando de premissas falsas. Por exemplo: “Todo quadrilátero tem 3 lados. O triângulo é um quadrilátero. Logo, o triângulo tem 3 lados”. Ambas as premissas são falsas, ainda assim, a conclusão é verdadeira. E ainda que sendo falsas as premissas, a construção lógica, o encadeamento lógico, está perfeito.

Com esta brevíssima explanação, acredito que muitas dúvidas possam ser sanadas por aqueles que nunca tiveram a oportunidade de ler algo sobre o assunto. E reitero: isto é o mais básico que se pode encontrar acerca do tema, que é riquíssimo. Por fim, gostaria de indicar alguns Princípios, a seguir relacionados, para nortear as discussões, bem como disponibilizo, mais abaixo, um pequeno guia com as 15 falácias que considero mais comuns.

PRINCÍPIOS

1. Princípio da Boa-Fé – Este princípio é basilar, verdadeiro sustentáculo das relações interpessoais e, como não poderia deixar de ser, é o que deve reger os debates neste espaço virtual. Viola, pois, este Princípio, quem buscar simplesmente causar confusão, poluir o ambiente visual, utilizar-se de práticas de spam ou flood, fazer mero proselitismo ou, de qualquer forma, contribuir para a desorganização. A violação a este Princípio poderá acarretar na interferência do Administrador, na forma do item 2 das Regras Gerais do blog. O simples fato de utilizar-se de argumentos inválidos não caracteriza, por si, intenção de violar este Princípio.

2. Princípio da Equidade Argumentativa – Por este Princípio entende-se a igualdade de condições dos argumentadores em um debate, incluindo o respeito mútuo. Viola, pois, este Princípio, quem proceder de forma negligente, indolente, ou desrespeitosa com outros debatedores. Qualquer Comentador, sentindo ter sido violado este Princípio, poderá demandar a interferência do Administrador, na forma do subitem 4.1 das Regras Gerais do blog.

3. Princípio da Equivalência de Termos – Segundo este Princípio, um debatedor que se utiliza de determinado argumento não pode insurgir-se no caso da outra parte utilizar-se de argumento equivalente ou construído de forma semelhante. Viola, pois, este Princípio, quem, valendo-se de uma construção argumentativa, objetar que esta seja utilizada por outros debatedores.

4. “Ataque o argumento e não o argumentador” – Não é exatamente um Princípio, mas um brocardo que chama a atenção para o fato de que, num debate, devemos nos ater ao argumento apresentado, não importando as circunstâncias de caráter pessoal das partes, que são irrelevantes.

PEQUENO GUIA DE FALÁCIAS

1. Ad Hoc – É uma falácia na qual se utiliza uma explicação pós-fato, não aplicável a outras situações semelhantes. É uma espécie de subterfúgio. Por exemplo:
Debatedor 1: “Eu fui curado do câncer.”
Debatedor 2: “Agradeça a Deus, pois Ele te curou.”
Debatedor 1: “Então Ele vai curar todas as pessoas que têm câncer?”
Debatedor 2: “Hummm... os desígnios de Deus são misteriosos...”(a)

2. Ad Hominem – É uma das falácias mais comuns. É – literalmente – uma violação ao brocardo “ataque o argumento e não o argumentador”, ou seja, o debatedor, ao invés de atacar o argumento da outra parte, não o faz, preferindo ater-se a circunstâncias de caráter pessoal. Por exemplo: “É claro que você vai argumentar contra o sistema de cotas. Você é branco.”(b)

3. Apelo à Autoridade – Esta falácia consiste em valer-se do nome, posição ou status de uma pessoa ou grupo de pessoas para, com isso, validar o seu argumento. O argumento, entretanto, pode ser reparado, se for demonstrada a relevância da pessoa em seu campo específico. Por exemplo, dizer “Isaac Newton foi um gênio e acreditava em Deus”(b) é uma Falácia de Apelo à Autoridade, mas dizer “Stephen Hawking concluiu que os buracos negros geram radiação” (b) não é, pois o cientista em questão é um especialista no campo da Física, onde se estudam buracos negros.

4. Argumentum ad Antiquitatem – É afirmar a veracidade de uma proposição tendo em vista o fator tempo, ou seja, quanto mais antigo, quanto mais velho, mais correto. Por exemplo: “Com certeza o Cristianismo é a verdadeira religião, do contrário não teria resistido por tanto tempo.”

5. Argumentum ad Baculum – É o apelo à força, ao medo, à ameaça. Por exemplo: “Há uma ampla prova da verdade na Bíblia, e todos aqueles que se recusarem a aceitar essa verdade irão queimar para sempre no inferno.”(b)

6. Argumentum ad Numerum – Consiste em afirmar que uma proposição é tão mais verdadeira quanto mais pessoas acreditam nela. Por exemplo: “Milhares de pessoas acreditam no poder das pirâmides, portanto, deve haver alguma coisa por trás.”(b)

7. Bifurcação ou Falsa Dicotomia – Esta falácia consiste em apresentar apenas duas opções, ignorando que possam haver outras possibilidades. Por exemplo: “Ou o homem foi criado, como diz a Bíblia, ou evoluiu casualmente de substâncias químicas inanimadas, como os cientistas dizem.”(b)

8. Desvio de Finalidade ou Cortina de Fumaça – Consiste em tentar desviar o foco do debate para uma questão secundária ou, em alguns casos, para um assunto totalmente diverso e irrelevante. Esta falácia é também conhecida, jocosamente, como “Falácia do ‘Olha o Aviãooo...’” (pela sua característica de tentar desviar a atenção) ou “Falácia Leão da Montanha” (em homenagem ao personagem do desenho animado que sempre tinha uma “saída de emergência” para fugir de situações embaraçosas). Por exemplo: “Quer dizer que você acha que Jesus disse algumas coisas ruins? Eu quero saber é o que você acha dos dez mandamentos.”

9. Escocês (de Verdade) – É um tipo de construção ad hoc (formulado com o único objetivo de legitimar ou defender uma teoria, e não em decorrência de uma compreensão objetiva e isenta da realidade(c)), ou seja, altera-se um determinado argumento para excluir ou invalidar um possível contra-argumento. Por exemplo:
Debatedor 1: “Nenhum escocês toma cerveja gelada.”
Debatedor 2: “Meu vizinho, Angus, é escocês e toma cerveja gelada.”
Debatedor 1: “Ah, sim... mas nenhum escocês DE VERDADE toma cerveja gelada.”

10. Espantalho – A Falácia do Espantalho consiste em deturpar uma ideia ou argumento, de modo que possa ser atacado mais facilmente. Entretanto atacar essa deturpação não significa estar atacando a ideia ou argumento original. Por exemplo: “A segunda lei da Termodinâmica diz que a entropia sempre aumenta, o que inviabiliza a evolução” (a Segunda Lei da Termodinâmica, porém, diz respeito a sistemas “isolados”, não sendo a Terra um sistema isolado por receber energia do Sol). Ou "Se você acredita na Teoria da Evolução então você acredita que viemos do macaco" (sendo que a citada Teoria nunca afirmou tal coisa).

11. Generalização – Consiste em utilizar um caso específico, ou uma amostra não significativa, como regra geral. Por exemplo: “Meus vizinhos separaram-se com menos de um ano. O casamento hoje já não é mais como antigamente, não há compromisso.”

12. Inversão do Ônus da Prova – É outra falácia muito comum. Consiste na tentativa de inverter o ônus de provar uma alegação, sendo que tal ônus sempre recai sobre quem afirma ou alega algo. Por exemplo: “Deus existe sim! Quero ver você provar que não!”

13. Non Sequitur – Consistem em estabelecer uma conclusão que não decorre das premissas estabelecidas. Por exemplo: “Já que os egípcios fizeram muitas escavações durante a construção das pirâmides, então certamente eram peritos em paleontologia.”(a)

14. Reductio ad Infinitum(d) – Em um debate ou discussão é sempre bom que sejam definidos os significados das palavras, termos ou expressões que serão utilizadas no seu decorrer(e). Entretanto, quem se utiliza desta falácia vai além, exigindo definições de termos já definidos; e em seguida a definição da definição da definição... etc. Ou seja, um certo grau de delimitação deve ser estabelecido, do contrário torna-se uma discussão acerca de definições, deixando o escopo principal – que é a troca de ideias – de lado. Por exemplo: “Então quer dizer que você considera que evidência é o ‘atributo do que não dá margem à dúvida, uma indicação, um sinal, um traço’? Pois bem, e o que você define como ‘atributo’? E o que você define como ‘dúvida’? E o que você define como ‘indicação’? Etc...”

15. Par Eu Ganho, Ímpar Você Perde – Não é exatamente uma falácia, e sim uma tática de tentar fazer com que um determinado argumento seja válido somente para uma das partes. Pode ser evitado se for chamada a atenção do outro debatedor para o fato de que ele vem utilizando-se do mesmo argumento (ver o Princípio da Equivalência de Termos). Por exemplo:
Debatedor 1: “Deus não foi criado, existe desde sempre.”
Debatedor 2: “Então, já que você considera que algo não precise ser criado, o Universo existe desde sempre.”
Debatedor 1: “Isso é impossível, nada pode existir desde sempre!”

Notas:
(a) Exemplos retirados de Ceticismo.Net (http://ceticismo.net/ceticismo/logica-falacias/).
(b) Exemplos retirados de CARNIELLI & EPSTEIN (referência 2).
(c) Conforme Dicionário Eletrônico Houaiss, edição 2001.
(d) Algumas pessoas chamam esta falácia de “Reductio ad Aeternum”. Não é o meu caso, por considerar que a referência espacial (Infinitum) ajusta-se melhor que a referência temporal (Aeternum) ao escopo da falácia.
(e) Conforme NASCIMENTO, citando os escolásticos em sua obra (referência 3).

Referências:
(1) ARISTÓTELES. Tópicos/Dos argumentos sofísticos. Coleção Os Pensadores. Abril Cultural, 1978.
(2) CARNIELLI, Walter A. e EPSTEIN, Richard L. Pensamento crítico: o poder da lógica e da argumentação. Rideel, 2009.
(3) NASCIMENTO, Edmundo Dantès. Lógica aplicada à advocacia (técnica de persuasão). 4ª ed. Saraiva, 1991
(4) PERELMAN, Chaim. Retóricas. Martins Fontes, ?.
(5) PERELMAN, C. e OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da argumentação: a nova retórica. Martins Fontes, 1996.

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