Estava eu, tranquilamente, a tomar banho para ir trabalhar, quando
o pensamento voou solto e lembrei-me da Evolução e do baralho. E já que o mundo
acaba amanhã, dia 21 de dezembro, é melhor eu escrever algo o mais rápido
possível enquanto ainda tenho tempo... vai que acaba mesmo, não é?
Eu gosto de alguns jogos de cartas (gostei muito de ter aprendido as
regras básicas do “Texas Hold’em Poker”, desgostei de ter desaprendido as
regras do “Truco”, e às vezes eu jogo em família um pouquinho de “Buraco” e “Sueca”).
Tais jogos têm regras bem definidas, ainda que com umas e outras variações (por
exemplo, quanto ao jogo de “Buraco”, há versões “abertas” – pode-se ver as
cartas da mesa – e “fechadas” – não se pode ver tais cartas; há versões nas
quais, a partir de certa pontuação, fica-se “vulnerável”, ou seja, só podem ser
baixadas na mesa sequências de determinado valor; etc). Os fundamentos dos jogos, porém, quando aprendidos, são
válidos para praticamente todas as versões.
E nesse passeio mental, lembrei-me da Teoria da Evolução. Ao falar
em Evolução vêm-nos logo à mente o nome de Charles Darwin (1809-1882). A ideia
de evolução dos seres, porém, é muito mais antiga(a), podendo mesmo recuar tão longe quanto Aristóteles.
O próprio Darwin foi herdeiro das ideias de seu avô, Erasmus Darwin (dentre
outros), também naturalista, que já no seu tempo andava pelas sendas evolutivas.
O que cabe a Charles Darwin – e com toda justiça – é o fato de ter transformado
a mera teoria em uma Teoria Científica(b)(c)
(e também com justiça devemos lembrar de Alfred Russel Wallace que, na mesma
época, chegou – de forma independente – a resultados muito próximos aos de
Darwin).
E assim, associando o baralho à Evolução, podemos perceber que,
assim como os jogos de cartas possuem regras, também a Evolução possui regras:
primeira, a REPRODUÇÃO, por meio da
qual temos descendência; segunda, a VARIAÇÃO,
na qual um descendente herdará certas características combinadas de seus genitores
e, por meio dessa herança, sempre haverá uma certa variabilidade entre os
indivíduos; terceira: a COMPETIÇÃO,
por meio da qual os indivíduos competem por recursos naturais limitados.
Dessa forma, havendo limitação de recursos (por exemplo,
alimentos) em certo nicho ecológico, aqueles indivíduos que tiverem herdado as
melhores características adaptativas serão mais bem sucedidos na batalha pela
vida. E a acumulação dessas heranças, no tempo, fará com que a nova população se
diferencie da antiga a tal ponto que dará origem a uma nova espécie, a partir
do momento em que não mais houver possibilidade de reprodução – com
descendência fértil – entre elas. Essas são as linhas gerais da Evolução das
Espécies.
E o diálogo, onde entra nesta história? Bom, o diálogo me veio à
lembrança devido aos debates sobre ciência e religião dos quais tomei parte ou
simplesmente presenciei neste imenso mundo digital. Normalmente polarizados
entre evolucionistas versus
criacionistas, algumas vezes mais pareciam monólogos, onde cada parte falava somente
sobre o seu lado e ignorava o outro.
Isso acontece no “time evolutivo”? Sim, com certeza. Mas o que tenho observado
é que acontece com muito mais frequência – e de forma muito mais marcante – no “time
criacionista”.
É certo que, devido a este problema, há momentos em que o desânimo
prevalece, visto que, para um diálogo produtivo – ou mesmo uma discussão (no
sentido de troca de ideias, e não de conflito belicoso) – é necessário que as
partes tenham o mínimo de boa vontade para, ao menos, tentar compreender os
argumentos umas das outras, e perceber como tais argumentos são desenvolvidos.
Dialogar com certos criacionistas pode tornar-se, pois, uma tarefa
ingrata, não só pelo fato deles não aceitarem argumentos evolucionistas (muitas
vezes demonstrando nem ao menos conhecer os temas em questão, que é o mínimo
esperado, visto incorrer em erros elementares, como por exemplo o já tão batido
“se o homem veio do macaco, por que ainda existem macacos?”(d), entre outros(e)(f)),
mas também pelo fato de que, ao arregimentarem para si “verdades” externas ao
questionamento racional, já estão, a priori,
deixando claro que não haverá diálogo.
Eles já têm a sua “verdade” e apenas desejam ver se outros
argumentos podem ou não ser cabíveis nessa “verdade”. Se podem, ela os abarca;
se não podem, são descartados (ainda que estejam conformes à natureza). É por
isso que, muitas vezes, dialogar com criacionistas é como jogar cartas com uma
pessoa que quer ter o baralho todo só para ela.
Notas:
(a) Conforme MAYR, “A Teoria
de Darwin apenas forneceu um mecanismo para a evolução, não CRIOU a evolução.”
(referência 6).
(b) Muitos confundem “teoria” – no sentido geral, senso comum –
com “Teoria Científica”. Entretanto, para que uma determinada teoria possa ser
considerada científica, há todo um método a ser seguido, há todo um rigor a ser
observado: o cientista verifica um certo fato da natureza; na tentativa de
explicar tal fato, elabora determinadas hipóteses, que são exaustivamente
testadas, e aquela que passar pelos testes é publicada (publicação esta que
deve conter a metodologia e os resultados aos quais o cientista chegou); após
tal publicação, a hipótese será testada novamente, desta vez por outros
cientistas independentes (aplicando-se a mesma metodologia, procuram chegar aos
mesmos resultados); se a hipótese mantém-se incólume, poderá ser chamada de
“Teoria Científica” (e assim permanecerá até que outra Teoria explique melhor
aquele fato da natureza ou, por meio de novos estudos e testes, a Teoria venha
a se mostrar incorreta, devendo ser descartada).
(c) Algumas pessoas costumam referir-se às Teorias Científicas
como sendo “mera teoria”, ou sendo “somente uma teoria”, tendo em vista que elas
não têm um caráter absoluto. Uma Teoria Científica nunca será absoluta (no
sentido de explicação final e bastante da natureza), bem como nunca deixará de
ser testada (podendo mesmo ser abandonada ou trocada por outra). Entretanto, ao
utilizarem-se daqueles termos tais pessoas ignoram – e não sei se de má-fé ou
não – todo o trabalho científico já realizado (vide nota anterior).
(d) Quanto a esta pseudo-questão do “se o homem veio do macaco,
por que ainda existem macacos?” (considero pseudo-questão, visto que não existe
tal postulado – vir o homem do macaco, ter o homem evoluído do macaco – em
nenhuma obra evolucionista), eu acredito que um contra-questionamento totalmente
válido seria perguntar à outra parte o seguinte: “SE O MEU TIO TEM UM FILHO, POR QUE O FILHO DELE NÃO SOU EU?”
(e) Um outro exemplo comum – e também errado – é alegarem que a
Segunda Lei da Termodinâmica impossibilita a evolução, tendo em vista o aumento
constante da entropia.
(f) FUTUYAMA, no Apêndice II de sua obra (referência 5) traz uma
lista com 18 dos argumentos mais comuns utilizados pelos criacionistas,
analisando-os quanto a sua validade.
Referências:
(1) DARWIN, Charles. A
origem das espécies. Escala, 2009.
(2) DAWKINS, Richard. A
grande história da evolução. Companhia das Letras, 2009.
(3) DAWKINS, Richard. O
maior espetáculo da Terra. Companhia das Letras, 2009.
(4) ELDREDGE, Niles. O
triunfo da evolução e a falência do criacionismo. FUNPEC-Editora, 2010.
(5) FUTUYAMA, Douglas. Biologia
evolutiva. FUNPEC-Editora, 2009.
(6) MAYR, Ernst. Isto é
biologia: a ciência do mundo vivo. Companhia das Letras, 2008.
(7) RIDLEY, Mark. Evolução.
Artmed, 2008.